(Artigo de Ivete Adavaí)
O que eu perdi? Em uma conversa na qual as pessoas falam acerca do outro como se este pudesse ser emoldurado em um único formato, eu fico me perguntando: O que eu perdi? Sim, parece que se você não se enquadra, ou enquadra alguém sob um rótulo, não está certo. Falta alguma coisa…
Lembro-me de ter lido, outro dia, um comentário de uma pessoa detonando um grande linguista americano porque, segundo ela, ele era de esquerda. E diante desse fato ela desconsiderava toda e qualquer informação, pesquisa, teoria, ou seja lá o que for, partindo desse mestre da comunicação, simplesmente porque, sendo de esquerda, ele não pode ser levado a sério.
Hum… o que foi que eu perdi, mesmo? Pensei, em um contexto geral, inferir o que alguém é, sob o ponto de vista partidário, é interessante, denota que se é bem informado, bom observador, que se tem perspicácia e que reflete sobre aquilo que lê. Muito bom. No entanto, a questão aqui é mais ampla, porque isso tem a ver também com enquadramentos do ser, o que sugere limitação. Então, se considerarmos ver o outro buscando enquadrá-lo, principalmente quando esse enquadramento é para macular a sua pessoa, parece ser um tanto estúpido, visto que à primeira vista tal procedimento carece de confiabilidade.
No entanto, essa busca pela categorização das pessoas, como se alguém pudesse ser colocado em uma categoria estanque e pronto, ignora o fato de que somos constituídos de muitas facetas e que não há categoria que dê conta disso.
Genericamente falando, consegue-se dizer que fulano é assim ou assado, mas isso não determina o sujeito total, e sim, serve para que se tirem conclusões simplistas acerca de quem é o outro.
Percebo que, mesmo diante dos mapas astrais, em que algumas pessoas podem ter nascido no mesmo dia, na mesma cidade, no mesmo horário, cada aspecto envolvido na composição do mapa vai incidir de modo diferente em cada pessoa analisada. O ser humano é muito complexo para sustentar qualquer categorização. Não adianta, pode-se ter um panorama geral, mas os detalhes fazem toda a diferença.
Por isso é que tentar colocar molduras em torno dos outros, como se fossem uma obra de arte estática, não dá certo, porque nega a subjetividade, o alcance que o ser adquire ao se tornar humano. Talvez, a comparação se dê com mais acerto se considerarmos uma instalação, em que a arte se faz através de um conjunto de contribuições, aspectos e possibilidades.
Então, uma coisa que de início pode ter parecido algo menor, torna-se a verdadeira grandeza, através da qual podemos nos basear para nos relacionarmos com os nossos semelhantes. Até porque não são as ciências exatas que tratam do ser humano, daí que não se pode enquadrar e esperar que a partir desse ponto estanque tudo flua perfeitamente, como na matemática em que dois mais dois são quatro, quase sempre.
O que eu perdi? Nada. O olhar aparentemente ingênuo e despretensioso em que se vê o outro, como alguém que sempre terá algo a acrescentar, sem se importar em categorizá-lo, nos dá a verdadeira magnitude do ser que somos. Fomos criados de modo muito intricado e somos seres complexos, tentar colocar molduras e rotulá-las seria uma forma de deixarmos de prestar reverência a quem somos de fato. Pode até parecer inteligente querer fazer isso, porque demonstra que se tem certas informações, mas isso também reduz de maneira drástica a concepção do ser pleno e dinâmico que somos.
Ivete Adavaí
13/01/2014.